terça-feira, 15 de outubro de 2013

Perry Anderson no Fronteiras do Pensamento (14/10/2013)

Por Elenita Malta Pereira

Na conferência de 14/10/2013, no Fronteiras do Pensamento (Salão de Atos da UFRGS, Porto Alegre), o historiador inglês Perry Anderson defendeu basicamente duas ideias sobre o cenário geopolítico atual. 




     A primeira, de que hoje estaríamos vivendo uma nova edição de um "concerto das nações", a exemplo do que já ocorreu na Europa pós-napoleônica, quando, por meio da convenção de Viena (1815), formou-se uma pentarquia formada por Rússia, França, Prússia, Áustria e Grã-Bretanha, os cinco países mais poderosos daquele contexto. Esse arranjo promoveu pelo menos quarenta anos de estabilidade no velho continente. 
     A pentarquia do século XXI seria concertada por Estados Unidos, União Europeia, Rússia, China e Índia. Para Anderson, apesar do endividamento crescente dos EUA, o país segue na supremacia absoluta do sistema mundial, porque não enfrenta insurgências  conflitos internos ou em suas fronteiras. Enquanto a China precisa lidar com os movimentos no Tibet, a Índia, na Cashemira, a Rússia na Xexênia e Cáucaso, e a União Europeia com as questões da Bósnia, Kosovo e Turquia, os EUA vivem em relativa paz fornteiriça. Diferente dos quatro demais membros, os problemas dos norte-americanos encontram-se na "periferia", leia-se Oriente Médio. O episódio mais atual, como sabemos, é o impasse na Síria. 
     Além disso, Anderson acredita que a supremacia norte-americana advenha da defesa de dois valores de alcance universal: o "livre mercado" e as "eleições livres", que seriam aplicáveis em qualquer lugar. Segundo o historiador, a China rejeitaria as pretensões de tornar-se um modelo para o resto do mundo...
     Note-se que a América Latina estaria ausente da pentarquia, o poder máximo do cenário internacional. Ela aparece na análise de Anderson na segunda ideia defendida em sua conferência.  
    No século XIX, mesmo com as revoluções de independência, os países latino-americanos não tinham formas de escapar à dominação da Grã-Bretanha. Anderson mencionou, inclusive, a influência britânica na vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1806, no gerenciamento de Portugal durante o exílio no Rio de Janeiro, na volta de Dom João VI e em toda a negociação para a independência do país, quando foi exigida uma compensação financeira - paga pelo Brasil.
     Durante o século XX, eclodiram diversas ondas de revoltas contra a ordem estabelecida, começando com o México, em 1910. Ao longo dos anos, o continente manteve-se alinhado com os padrões de acumulação capitalista. Porém na virada para o século XXI a situação começou a mudar. Para o inglês, a América Latina tem oferecido um espetáculo diferente, no cenário internacional. 
    A virada teria começado com a ascensão de Hugo Chávez ao poder, em 1998, quando teve início um novo ciclo político no continente. Uma série de governos de centro-esquerda foram instalados na América Latina:  Lula e agora Dilma no Brasil, Néstor e Cristina Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Mujica no Uruguai, Humala no Peru e, em breve, provavelmente, a volta de Michelle Bachelet no Chile. Com todas as restrições e ressalvas necessárias, segundo Anderson, a América Latina estaria no contrafluxo do poder hegemônico representado pela pentarquia atual.
      Anderson também falou do Brasil especificamente. Apesar de maior nação do continente latino, e de sua posição na linha de frente dos BRICS, o país não faz parte do novo concerto. Segundo o historiador, isso se deve aos seguintes fatores:
- o Brasil não está envolvido no tipo de relações repressivas em que a pentarquia se encontra com seus oponentes. Mesmo com a ressalva dos recentes conflitos indígenas [e todo o esforço da bancada ruralista em extinguir seus direitos para explorar minérios, madeira, pecuária e agricultura em suas terras], aqui estaríamos vivendo uma situação de estabilidade interna, pois a questão dos índios não seria "nada" comparado a uma Xexênia, Ioguslávia, Curdistão, etc... que a pentarquia precisa enfrentar.
- o Brasil não tem armas nucleares nem exército comparável em magnitude aos países "concertantes".
- o país oferece uma nova imagem de reforma social (que não é perfeita), mas é, de certa forma, um modelo diferente do neoliberal.
- o Brasil adotou posições independentes em importantes eventos internacionais. Criticou abertamente a invasão dos EUA ao Iraque, foi contra o bloquei ao Irã e, recentemente, com os episódios de espionagem, foi o primeiro país cuja presidenta cancelou uma visita a Washington. 
     Por tudo isso a América Latina estaria, na visão de Anderson, na contramão do sistema.

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      Infelizmente, nesse tipo de conferência não podemos esperar maior aprofundamento de ideias, já que é uma fala breve (acho que durou uns 50 minutos) para um público mais amplo, intermediada pelos organizadores do evento. Em minha opinião faltou aprofundar quais seriam os caminhos para, aos poucos, tentar uma superação do capitalismo. Anderson apenas mencionou, durante os comentários pós-conferência, que, de momento, "a substituição do capitalismo está longe do alcance de qualquer pessoa". No entanto, isso não quer dizer a aceitação acrítica do sistema.  
     Como historiadora ambiental não pude deixar de perceber a "falta do ambiente" nas análises de Anderson. Digo isso, porque, do ponto de vista da devastação ambiental, seria altamente questionável a afirmação de que os países latino-americanos estão mesmo construindo um caminho "diferente", no contrafluxo. 
     Pelo menos no caso do Brasil, tem havido um crescimento econômico calcado na exploração sem escrúpulos e sem limites dos elementos naturais. A agricultura tem usado uma quantidade crescente de agrotóxicos e sementes transgênicas banhadas em cada vez mais venenos, já que as "pragas" tornam-se resistentes; os rios recebem cargas imensas de efluentes poluidores; a Amazônia  continua sendo desmatada ano a ano; hidrelétricas gigantes como Belo Monte, Balbina e Tucuruí são construídas, mesmo que causem impacto enorme; carros e mais carros invadem as ruas das metrópoles, causando poluição e congestionamentos altamente estressantes; o plantio de eucaliptos substitui as espécies típicas do pampa; os indígenas brasileiros estão vivendo um dos momentos mais difíceis de sua história recente, com a possibilidade de perda dos direitos adquiridos na constituição por conta de manobras da bancada ruralista e do governo no congresso nacional. Podemos acrescentar o impasse sobre o Parque Nacional Yasuní no Equador, onde ao que tudo indica, petróleo começará a ser extraído em meio à floresta tropical.
      Cabe perguntar: Em que medida toda essa exploração é diferente do modelo dos países "desenvolvidos"? Em que aspectos é desviante e encontra-se na contramão do sistema?
   É notório que alguns países da América Latina têm empreendido uma melhor distribuição de renda;  no caso do Brasil, Lula tomou medidas anti neoliberais - entre elas, a formação de uma rede de programas sociais que faz toda a diferença para quem não tinha nenhum apoio do estado - que foram responsáveis pela "marolinha", ou seja, escapamos do tsunami de 2008 que atingiu a economia dos EUA e União Europeia em cheio. Entretanto, analisando as bases desse desenvolvimento, a América Latina vem seguindo à risca a receita dos países ricos: a busca do crescimento econômico a partir da exploração inconsequente dos elementos naturais. Sem pensar no futuro, nas "gerações futuras".
      Creio que esse é um bom tema para aprofundar e discutir, em muitas e muitas conferências...

Um comentário:

  1. Fala pra este gênio, ficar sem banho quente, celular tv avião , ar condicionado , sem os benefícios do capitalismo para o conforto dele que o planeta estará salvo .
    Todos este hipócritas que defendem a natureza e o uso racional da natureza não abdicam do conforto e porque ele não tenta implantar esta xangri lá em seu pais ?

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