Além de ser um filme de animação excelente, trata, através da Arara-Azul Blu, um problema ecológico histórico no Brasil, o tráfico de animais.
Publiquei artigo no Caderno de Cultura da Zero Hora, de 16/04/2011, p. 6, comentando esse aspecto do filme.
Só a educação dá asas
Rio, idealizado e dirigido pelo
brasileiro Carlos Saldanha, é mais do que um excelente longa de animação com
diversão garantida para todos os públicos. Além de mostrar a exuberância da
Cidade Maravilhosa em imagens de tirar o fôlego, trata de um problema ambiental
histórico do país, o tráfico de animais, uma das razões porque muitas espécies
correm risco de extinção.
A
trama de Rio foi inspirada em um caso
real, noticiado pelo Jornal da Globo, em 2002. Um espécime de arara-azul foi
trazido de Tenerife, nas Ilhas Canárias, para uma reprodução em cativeiro no
Brasil. No filme, o personagem principal, Blu, por causa do tráfico, vai parar
em Minnesota, no norte dos Estados Unidos, onde por acidente é encontrado por
Linda, menina que o protege e trata como se fosse humano. Depois de 15 anos de
uma relação de intensa amizade, Blu descobre que é a última arara-azul macho do
planeta e vem com a dona para o Brasil conhecer Jade, a última fêmea, na
tentativa de salvar a espécie da extinção com uma reprodução em cativeiro. O
problema é que integrantes do tráfico, sabendo do encontro entre as aves, resolvem
capturá-las para vender no mercado negro.
A
beleza das aves brasileiras, com suas magníficas cores e plumagens, retratadas
no filme com perfeição, foi objeto de desejo no final do século XIX, início do
XX para a fabricação de acessórios femininos, como chapéus de plumas e penas,
considerados sinônimo de elegância na Europa e em vários países da América.
Naquela época, as exportações de penas eram legais e somavam toneladas, no
entanto, representavam uma pequena fração dos números reais. Estima-se que, em
regiões remotas do país, onde não havia fiscalização, o volume contrabandeado
superava muito o divulgado oficialmente.
As
espécies mais cobiçadas eram, além de araras (por suas variadas cores), emas,
garças, papagaios, periquitos, tucanos, beija-flores, e saracuras. Para se ter
uma ideia da extensão da matança, é preciso considerar que, como cada ave contribuía
com algumas gramas de penas, para se obter quilos ou toneladas, uma quantidade
imensa de pássaros morria.
Esse
verdadeiro massacre foi denunciado por cientistas atuantes na época, como
Emílio Goeldi, Herman Von Ihering e Edgar Roquette-Pinto. Hoje, felizmente, a
legislação (Lei 9.605/98) estabelece que o comércio e transporte de animais
silvestres são crimes ambientais, mas isso não garante sua preservação. Além
desse comércio nefasto, as aves são perseguidas também para servirem como
animais de estimação – o que ocorre por acaso, no filme. As araras-azuis fazem parte da família psittacidae, a mesma dos papagaios, e são objeto de desejo por sua
inteligência, docilidade, beleza, e capacidade de imitar a voz humana. Essa
moda de animais de estimação leva às mesmas consequências do tráfico, a ameaça
de extinção.
As
araras-azuis podem viver até 100 anos e não se reproduzem facilmente. São
monogâmicas, fiéis ao parceiro a vida toda, escolhem árvores antigas para
construir o ninho, onde colocam 1 ou 2 ovos por ano. Enfrentam inúmeras
adversidades e predadores naturais durante todo esse processo, que são
agravadas pela ação humana. Além do comércio ilegal, o desmatamento para a
agropecuária reduz, ano a ano, seu habitat.
No
entanto, no mesmo Brasil que explora, há um alento de proteção, o Projeto Arara
Azul que, desde 1990, é um sucesso, no Pantanal, em Mato Grosso do Sul. Inicialmente
ação solitária da bióloga Neiva Guedes, hoje apoiada por empresas e ONGs, foi
capaz de elevar a população de 1500 para cerca de 5000 aves. Exemplos como esse
representam uma vitória, já que nos anos 1980 a perspectiva era de extinção, porém
a ameaça ainda existe. O caso das araras-azuis é representativo da necessidade
de um desenvolvimento realmente sustentável, que seja aliado da conservação das
espécies.
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