De 24 a 27 de novembro de 2015, realizou-se na Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO), em Guarapuava, a 2ª Escuela de Posgrado da Sociedad Latinoamericana de Historia Ambiental (SOLCHA). O evento, coordenado pelo professor Jó Klanovicz, contou com a presença de alunos e professores de países da América Latina e também dos Estados Unidos e do Canadá, que vivenciaram dias de intensa programação.
Veja um resumo das atividades realizadas a seguir.
Conferências
O presidente da SOLCHA, professor Adrián G. Zarrilli (Universidad Nacional de Quilmes, Argentina), ministrou a conferência de abertura do evento.
Zarrilli apresentou uma breve trajetória da historiografia ambiental na América Latina, desde o trabalho inicial de Nicolo Gligo e Jorge Morello à grande quantidade de pesquisas que existem hoje no âmbito da chamada História Ambiental. A própria SOLCHA deixou de ser uma sociedade pequena e formada por amigos, para tornar-se uma organização de escala continental, que combina muitos pesquisadores em diferentes graus de formação, origens multi-disciplinares e com uma ampla variedade de interesses. Esses interesses diferentes são unificados na abordagem que considera a natureza como "co-autora de nossa história" (citando William Cronon).
Conferência do Presidente da SOLCHA, Prof. Adrián Zarrilli |
O professor argentino salientou o desenvolvimento da SOLCHA como uma organização, crescendo a partir de um pequeno espaço em outros eventos para gerar os seus próprios congressos e, em seguida, passando a organizar escolas de pós-graduação. Por fim, enfatizou que ainda há questões que faltam ser abordadas, especialmente aquelas capazes de gerar narrativas mais abrangentes sobre o nosso continente. Ou seja, segundo ele, é preciso encontrar pontos de contato entre os diferentes estudos de casos específicos, que já são abundantes, para gerar histórias que cruzem as fronteiras tão rígidas de nossas histórias nacionais, o que ainda marca nossas pesquisas. E isso, Zarrili alertou, sem cair em generalizações excessivas, um perigo sempre latente.
O professor José Augusto Pádua (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil) ministrou a conferência “A História Ambiental e o Diálogo com a Biologia da Auto-organização e a Antropologia do Devir Biossocial”. Pádua enfatizou que a vocação interdisciplinar da história ambiental, especialmente em seu diálogo com a Biologia e Antropologia, pode contribuir para a necessária redução do dualismo entre natureza e cultura, ou sociedade e natureza.
Conferência do Prof. José Augusto Pádua |
Entre os autores dessas disciplinas, Pádua citou o trabalho de Humberto Maturana e Francisco Varela, na Biologia da Auto organização, e a perspectiva do "Devir Biosocial", dos antropólogos Tim Ingold e Gisli Palsson. Para ele, esses e outros autores (como Viveiros de Castro, Philippe Descola, Ilya Prigogine, etc.) podem embasar uma concepção ainda mais dialógica da história ambiental. Inspirado em Heráclito, para quem "tudo flui", Pádua propôs uma definição de história que incorpore a fluidez dos processos: "cada vez que um sistema, um estado surge, como modificação de um estado prévio, temos um fenômeno histórico". Essa ideia de fluxo, do "vir a ser", ou do "devir biosocial", pode ser inspiradora para uma nova compreensão dos processos históricos, capaz de superar a dicotomia sociedade-natureza.
Pádua utilizou a metáfora da "tapeçaria de relações" para referir-se à integração entre pessoas e natureza. Mais do que esferas separadas, podemos percebê-las como mutuamente condicionantes. Os seres vivos - humanos e não humanos - vivem nos ambientes, pensados pelo professor como "zonas de interpenetração": "nós vivemos em um fluxo, somos mais do que indivíduos no ambiente", essa relação seria uma espécie de "redemoinho de organismos", que levaria a uma evolução complexa, ou seja, a história.
O professor Chris Boyer (Universidade de Illinois, EUA) falou sobre "Manejo comunitário dos recursos" no México.
Conferência do Prof. Chris Boyer |
Boyer abordou o processo de "reforma agrária" ocorrido nos anos 1930, no México sob o governo Cárdenas. O problema é que boa parte das terras distribuídas para os camponeses mexicanos estava localizada em bosques (os ejidos). Eram terras de comunidades indígenas, ricas em biodiversidade. Segundo o historiador, esses "recursos naturais" eram vistos como "recursos nacionais", que deveriam ser explorados "racionalmente", de acordo com o discurso governamental. Sob o comando do presidente Cárdenas - que manejava socialmente o país - ocorreu também um manejo biossocial da paisagem.
O professor abordou ainda o período mais atual, a partir de sua participação em reuniões para que comunidades que vivem atualmente nessas terras aceitassem participar de projetos de Redd+ (da ONU). Representantes das comunidades têm rejeitado esses projetos, em nome de uma "memória grande", entendida como a afirmação de que esses povos detêm saberes que lhes permitem manejar suas próprias terras. Boyer citou o exemplo de San Juan de Parangaricutiro, uma comunidade indígena localizada no estado de Michoacán que consegue manejar bem sua reserva florestal, atualmente. Estima-se que restem apenas 20% dos bosques mexicanos.
A 2ª Escuela também contou com a palestra do professor Gilmar Arruda (Universidade Estadual de Londrina, Brasil), intitulada "As delimitações espaciais na História Ambiental".
Conferência do Prof. Gilmar Arruda |
Arruda falou sobre o processo de construção conjunta do dossiê "As delimitações espaciais na pesquisa em História Ambiental". A ideia desse trabalho surgiu durante o VI Simpósio da Sociedade Latino Americana e Caribenha de História Ambiental (SOLCHA), realizado em 2012, em Villa de Leyva, na Colômbia, e reuniu pesquisadores de diversas universidades e cidades brasileiras, propiciando uma troca muito interessante, mas que ao mesmo tempo enfrentou certas dificuldades nas discussões e no planejamento do dossiê, devido à distância e às agendas de cada um dos participantes.
O objetivo principal da obra é discutir de onde vêm os conceitos e pensamentos sobre espaço nas pesquisas de História Ambiental. Esse objetivo foi pensado a partir da constatação de que é necessário, dentro dos próximos anos, pensarmos e refletirmos melhor sobre a utilização dos conceitos na área de História Ambiental. O dossiê será publicado na Revista História Regional, da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), em dezembro de 2015.
A última conferência foi ministrada pelo professor Stuart McCoock (Universidade de Guelph, Canadá): “Futuros Cafeteros: La Historia y el Cambio Climatico”.
Conferência do Prof. Stuart McCoock |
Na ocasião, McCook abordou suas pesquisas sobre o café em âmbito global. Ele mencionou que estudos científicos recentes apontam para um declínio expressivo das plantações de café arábica, por conta das mudanças climáticas, e, ao mesmo tempo, para o aumento da demanda mundial, nas próximas décadas.
McCook, de forma muito interessante, utilizou a abordagem histórica para construir três cenários possíveis para o café, frente às mudanças climáticas: substituir o café arábica por outra espécie, como o café robusta; substituir o café por outra planta, o chá, a exemplo do realizado no Ceilão; não fazer nada. Em todos os cenários, a perspectiva é bastante pessimista, infelizmente.
Apresentações de trabalhos
A maior parte do evento foi dedicada às discussões dos trabalhos de estudantes de pós-graduação de diversos países da América. Foram 17 participantes que abrilhantaram o evento com suas pesquisas, muito interessantes e inovadoras, e que tiveram seus trabalhos comentados e debatidos por professores e colegas.
As apresentações abordaram uma vasta gama de temas. Aqui apenas citamos os títulos e respectivos autores:
Em cautiverio: extracción de animales silvestres en el medio Amazonas durante el siglo XX (Yohana A. Pantevis Girón, UNC, Colômbia).
Apresentação de Yohana Girón |
Agricultura, ciência e meio ambiente na EMBRAPA Amazônia Oriental (Vanessa Pereira, Fiocruz, Brasil).
Apresentação de Vanessa Pereira |
La historia ambiental urbana: contexto de surgimento y contribuciones para el analisis histórico de la ciudad (Frank Molano Camargo, Universidad de los Andes, Colômbia).
Vulnerabilidad y desastres en la sociedad colonial: las sequías en el Valle Central de Chile (Andrea Natacha Noria Peña, Universidad Autônoma de Chile).
Desastres ambientais no mundo agrícola: uma análise a partir da cafeicultura no norte do Paraná (Lucas Mores, UFSC, Brasil).
Apresentação de Lucas Mores |
Marcha do café: o café brasileiro se move e se moderniza, 1947-1990 (Jonathan Coulis, Emory University, EUA).
Apresentação de Jonathan Coulis |
Cuestión de Sed: Historia del acaparamiento del agua y caña de azúcar en el Valle del Cauca, Colombia (Lorena Arias Solano, Universidad de los Andes, Colômbia).
O Parnaso Mineiro: a construção histórica da paisagem (Rute Guimarães Torres, UFMG, Brasil).
Para além do cenário, do palco ou do pitoresco: a paisagem dos Campos Gerais do Paraná nos relatos de viagem do século XIX — Saint-Hilaire, Thomas P. Bigg-Wither e Visconde de Taunay (Darcio Rudvald, UEPG, Brasil).
Uma impressão a cada viagem: Percepção da natureza do pampa na percepção de viajantes europeus 1818-1858 (João Davi Oliveira Minuzzi, UFSM, Brasil).
Apresentação de Dárcio e João |
La relación sociedad-naturaleza en el Alto Golfo de California y delta del Río Colorado. Un análisis histórico ambiental del crecimiento económico 1927-1975 (Alejandro Bonada Chavarría, Universidad de Guadalajara, México).
Apropriações de Meio Ambiente na Indústria – estudo de caso da cadeia de celulose e papel do Brasil (Jamerson Costa, UFMG, Brasil).
El papel del río de Los Sauces en la estructuración territorial del oeste cordobés: las relaciones entre poblaciones emergentes y agentes particulares – Traslasierra, Córdoba 1850-1910 (Gabriel Carnero, Universidad Nacional de Córdoba, Argentina).
Apresentação de Gabriel Carnero |
A trajetória de constituição da Floresta Nacional de Passo Fundo (Débora Nunes de Sá, UPF, Brasil).
Apresentação de Débora de Sá |
Petróleo e progresso – a implementação de uma indústria brasileira (Natascha Otoya, UFRJ, Brasil).
Apresentação de Natascha Otoya |
A luta contra os gafanhotos: processos ecológicos e sociais na Argentina, Brasil e Uruguai - 1890-1950 (Valéria Fernandes, UFRJ, Brasil).
Apresentação de Valéria Fernandes |
Produção de Alimentos nos Andes Centrais durante o Império Inca: A Busca de uma Nova Perspectiva (Bruno Azambuja Araujo, UFSC, Brasil).
Apresentação de Bruno Araújo |
As apresentações tiveram como comentadores os seguintes professores: Regina H. Duarte (UFMG, Brasil), Lise F. Sedrez (UFRJ, Brasil), Marcos Gehrard (UPF, Brasil), Claiton M. da Silva (UFFS, Brasil), Stuart McCook (UG, Canadá), Alessandra I. de Carvalho (UEPG, Brasil), Christopher Boyer (UI, EUA), Dominichi Miranda de Sá (COC/FioCruz, Brasil), Elenita Malta Pereira (UNICENTRO, Brasil), Gilmar Arruda(UEL, Brasil), Adrián G. Zarrilli (UNQ, Argentina).
Oficinas
Em meio ao evento, os estudantes puderam participar de duas oficinas. O professor Robson Laverdi (UEPG, Brasil) ministrou a oficina sobre "História Oral".
Oficina Prof. Robson Laverdi |
Também o professor Clayton da Silva (UNICENTRO, Brasil) ministrou oficina sobre "Territórios quilombolas".
Saída de campo
No último dia do evento, os alunos realizaram uma saída de campo, sob a coordenação do professor Clayton, em que visitaram a usina hidrelétrica de Foz do Areia (localizada entre os municípios de Pinhão e Guarapuava, no estado do Paraná-Brasil) e Faxinal do Céu, uma localidade do município de Pinhão.
Abaixo, acrescentamos um registro fotográfico de algumas das atividades acadêmicas e dos momentos de descontração que também fizeram parte desse evento tão frutífero:
Encontros
Estudantes na entrada da UNICENTRO |
Estudantes com professores Jó, Alessandra e Luciana |
Estudantes com professores Chris e Marcos |
Rute e professora Regina |
Professores Jó, Claiton, Luciana, Gilmar e Elenita |
Piquenique cultural
Assistência nas atividades
Confraternização de encerramento
A equipe de monitoria
Monitores e Profª. Luciana Klanovicz |
Organização geral
Prof. Jó Klanovicz (UNICENTRO) |
Foi um evento maravilhoso, que certamente ficará na memória de quem vivenciou esses quatro dias muito intensos em Guarapuava.
A "foto oficial" do evento. |
Por fim, agradeço à contribuição para o desenvolvimento desta postagem: Gabriel Carnero e Andrea Noria, pelo relato sobre a palestra do prof. Adrián Zarrilli; João Davi Minuzzi sobre a palestra do prof. Gilmar Arruda; Valéria Fernandes pela revisão e pelo envio de fotos.
Créditos das fotos: Equipe de monitoria do LHAG, Luciana Klanovicz, Valéria Fernandes.
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